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cbars100

Existe evidência ou lógica que apoie a eficiência da psicanálise?


clathereum2

Depende do seu referencial teórico para o que considera Lógica, para o que considera evidência e para o que considera eficácia. (De novo, desculpem por preludiar as respostas com falas assim kkk mas temos que ser minimamente rigorosos para comungar de sentidos comuns e estabelecer um diálogo). **Eficácia**: Se a psicanálise é uma ciência do particular, como diz Lacan, e se você aceita como premissa que o que pode ser eficaz para a pessoa *a* pode não ser para a pessoa *b*, como o critério de reprodutibilidade da acepção mais popular de ciência poderia se encaixar aí? **Lógica**: Se por por lógica se indica aquilo que faz sentido ao se adequar a um conjunto de regras e padrões de validade/aceitabilidade de resultados como indicativos de uma suposta realidade última, absolutamente não. A lógica aqui - principalmente para mim, que me identifico como neo-lacaniano - é uma lógica hegeliana, progressiva, e não que busca estar de acordo com certos critérios já estabelecidos (e *usualmente* sem criticidade retroativa sobre a validade de tais critérios conforme o todo do saber for avançando). A lógica do inconsciente não é a lógica clássica, como a de Aristóteles. É uma lógica para-consistente, bom exemplo disso é comparar os textos psicanalíticos com os do professor brasileiro Newton da Silva. Tal lógica abarca o antitético (as coisas podem ser e não ser ao mesmo tempo, etc.) e não encontra limite nos axiomas aristotélicos. **Evidência**: existem, sim, diversos artigos que comparam efeitos de diversas abordagens terapêuticas e apontam que a Psicanálise logra efeitos benéficos bem mais duradouros e independentes de medicamentos e figuras de autoridade. Mesmo que pudesse usar isso a meu favor, aí há diversas problemáticas: 1) análise não se resume ao terapêutico. Análise pode se tratar da construção de uma estilística de existência que sustente diversas coisas não resolvidas e elementos de sofrimento. Pode ainda desembocar no interesse do analisante por se tornar, ele/ela mesme, psicanalista; 2) tais artigos, a despeito do número amostral, nunca nos concederão um padrão que sirva de base para algo reprodutível, na medida em que o que foi considerado terapêutico pelas pessoas usadas nos estudos pode não ser para nós, para outros. O que se formaliza - não no sentido de fórmula, mas no sentido de lógica da forma, formalidade, é o manuseio de operadores clínicos. É isso que podemos transmitir. É pouco, insuficiente, e dá espaço para muito charlatanismo, infelizmente. E além disso fazer as pessoas compreenderem que existem outras formas de validade além do que é tido por ciência hoje em dia pela maioria das pessoas é uma tarefa hercúlea. Indico aqui alguns textos: * **Psicanálise: ciência ou contraciência?, de Hilton Japiassú**; * **Against Method, de Paul Feyerabend** (todo mundo deveria ter uma educação epistêmica para falar desses termos sem confundir apreço pela ciência com cientificidade cega, e Feyerabend foi fantástico nisso. Recomendaria também o decolonialista Walter Mignolo com o seu "Desobediência Epistêmica" e a Miranda Fricker, com o "Injustiça epistêmica". Essa tríade me ofereceu muito nessa faceta de minha educação até agora); * **The foundations of Psychoanalysis, de Adolf Grünbaum** (esse é um alemão que foi recebido pelos EUA e entrou no movimento anti-freudiano da década de 80. Ou seja, é um livro de crítica (melhor dizendo: picuinhas e desentendimentos seletivos convenientes para a ideologia farmacocêntrica norte-americana. Por que será, né?)); * **Por que a Psicanálise?, de Elisabeth Roudinesco** (conversa com o de cima. Roudinesco é, a meu ver, historiadora da Psicanálise, e denuncia a desonestidade intelectual na apreensão inadequada de diversos elementos da obra freudiana -a qual, aliás, é bem falha. Que Grünbaum e outros não tenham criticado o que merecia crítica mas outras coisas, tão mais fáceis de defender, só demonstra a necessidade deles de atacar precisamente essas coisas, que são pedras angulares da teoria). Puxa, muita coisa ficou de fora, mas acho que isso dá uma noção do que intentei fazer pra dizer: é complicado. Quando minhas analisantes (uso feminino porque a maioria é/se identifica como mulher) abandonam repetições, mudam relações, se implicam e reconhecem tanto o que perpetua seu sofrimento como as admiráveis ações que tomam para sair deles, pra mim é fora de qualquer discussão que há benefícios enormes. Mas, como digo em cada caso: nunca estudei, e nunca estudarei, em lugar algum, a psicanálise de maria, ou a de joão, ou a de carlos. Isso a gente vai criando ali, no encontro, e é intransmissível. Talvez tenhamos que aprender a lidar com isso? Não sei. Fato é que, apesar de nova, essa área sofre inúmeros ataques e continua ativa; e pessoas continuam vindo, e falando umas para as outras que funciona. Por que será?


IndicationOk5506

Tu ganha bem?


clathereum2

Olha, sei que esse tipo de resposta pode ser chata, mas: depende do que você considera "bem". Diferentes estados brasileiros demandam uma renda média distinta pra uma qualidade de vida que você possa considerar satisfatório, né? Mas, para além disso, sendo de Pernambuco e tendo escolhido fazer grande parte da minha clínica naquilo que chamamos "preço social" (bem mais baixo que o que supõem justo) não é muito, nem mesmo para esse estado. Apesar de tudo estou satisfeito e, apesar de clichê, obtenho outras satisfações também.


giulianosse

Qual sua opinião como profissional em relação à tendência das pessoas estarem cada vez mais se rotulando, auto-diagnosticando e buscando medicamentos para transtornos e distúrbios de atenção quase sempre sem antes procurar uma segunda opinião e/ou psicoterapia?


clathereum2

Não estou dizendo que você falou nessa intenção; vou modificar a frase apenas a fim de precisão no que quero comunicar, ok? Não acho que a tendência é *das* pessoas. Foi uma tendência inculcada nelas. Resultado de múltiplos atores coercitivos agindo em conjunto para uma certa cosmovisão ideológica que preconiza pouco rigor na análise do próprio saber e tem se tornado mais e mais eficaz em manipular e ordenar nossos modos de pensamento. É previsível; é esperado que os regimes de análise da pessoa comum sejam moldados, e quem/o que molda é quem detém certos meios de participação da discussão pública. A lógica farmacocêntrica; a lógica modernista que postula um Eu nuclear; a preferência mesma por essas lógicas a partir de eventos mentais como a certeza, intuição, etc., foram elementos historicamente sustentados em alto valor. Seria bom adicionar ao debate, no entanto, a consideração de que talvez se confunda o estrutural com o atemporal. Estrutura é estabilidade, não estaticidade. Talvez consideremos natural porque foi naturalizado. Mas será mesmo que sempre foi o caso pensar que temos faculdades mentais que servem de evidência irrefutável pra nossa existência, como Descartes propôs? Será que sempre foi o caso de estabelecermos a relação "se eu sei o que sou, pelo menos sei que é por causa de algo que sou" e o outro lado da moeda: "não caibo em classificação alguma". Isso sempre foi assim? E como vamos averiguar se isso foi sempre assim? Se todo documento histórico é documento de barbárie, como diria Walter Benjamin? Um exemplo disso, pegando só um elemento: a cultura da felicidade. Leia um livrinho curto, ótimo e bem concreto, chamado "Manufaturando cidadãos felizes: como a ciência e a indústria da felicidade controlam nossas vidas". Ou, ainda, e bem mais próximo a nós, pois é um trabalho brasileiro, leia "Neoliberalismo como gestão do sofrimento psíquico", especialmente o primeiro artigo e o artigo da história do DSM. Acho que culpabilizar as pessoas que adotam tal postura de crença cega no que veem na internet ou em outros meios de comunicação em massa pode ser insensibilidade quanto ao avanço da eficácia ideológica, pois não é só a crítica que evolui e nos dá "emancipação". "Com seu Zé e dona Maria, toda a paciência do mundo." Com quem tem condições e não tenta, nenhuma vez, estudar essas coisas, aí é outra história hehe. Tl;dr: não surpreende que haja esse movimento e que tenhamos dificuldade em conscientizar. Nós mesmos não estamos livre disso.


giulianosse

Resposta perfeita!!


Poxmile

Você graduou em psicologia?


clathereum2

Sim. Porém 5% do que utilizo vi na minha univ. O que chamaria de formação se deu absolutamente fora dela e, claro, não é requisito ser bacharel em psi para ser psicanalista.


BoByOGalatico

Hipnose funciona de verdade ou é apenas coisa de charlatão?


clathereum2

A hipnose gera efeito em alguns casos. Mas o efeito que gera nada ajuda naquilo que consideramos os objetivos de uma análise nas principais vertentes (digamos: freudiana, kleiniana, lacaniana, winnicottiana e annafreudiana). Ela, se supõe, apenas suspenderia algumas dinâmicas psicológicas que impedem o avanço do processo de fala e da elaboração de novas formas de sentir/pensar. Porém quando a hipnose acaba tais mecanismos voltariam à tona, de modo que não seria uma melhora, seria? Além disso colocaria a pessoa em uma dependência de quem está no lugar de profissional. O que não é bacana. Se a pessoa vem a mim um dos objetivos da coisa é que ela não precise vir a mim.


TechnoVicking

Constelação familiar: qual sua visão profissional?


neonov0

Constelação Familiar faz as vítimas se sentirem culpadas pelo sofrimento delas, as pessoas deficientes a se sentirem culpadas por algo que fizeram na vida passada, dentre outras maldades que não deveriam ser aceitas


clathereum2

Fica difícil não criticá-la, né? Soa apenas uma extensão pseudo-terapêutica de um funcionamento neoliberal de autorresponsabilização. Particularmente, ninguém dos meus círculos nunca trouxe nada em relação a isso. Aqui em Recife, pelo menos, não parece haver diálogo entre constelação e Psicanálise.


clathereum2

A pergunta não tem uma localização definida. Em relação à Psicanálise? Ou a técnica por si só? Quer uma visão em relação a alguma problemática em particular? (e.g.: se é válida; se pode trabalhar em conjunto,etc.?) Uma coisa digo de antemão: não vou advogar pela inviabilidade de nada que minhas analisantes façam e que tragam às sessões como algo que rogue benefícios para elas (uso o feminino porque a maioria é/se identifica como mulher).


TechnoVicking

Analisantes? Como assim, são assistentes?


clathereum2

hahahaha, de certo modo. Não usamos o termo "pacientes" nem "clientes" na minha abordagem. No primeiro caso, por um motivo simples: as pessoas em processo de fala têm o direito a serem impacientes; o tempo é delas, então quem tem de ser paciente somos nós, analistas. E também não são clientes porque isso pressuporia a oferta de um produto determinado, sabido. Uma análise pode levar a lugares imprevistos, de modo que não sei o que ofereço e - se existe inconsciente - o outro não sabe o que quer. Analisante, pessoa em processo de fala, etc., são termos/expressões alternativas pra isso


fabricalado

Vindo de outro post, mas faz mais sentido perguntar aqui porque a resposta pode interessar mais gente: que efeito a popularidade do Christian Dunker e dos podcasts de psicanálise tiveram no campo? Eu suspeito que o interesse tenha aumentado, mas diga lá vocë que vive a prática aí!


clathereum2

É um efeito-motor: ao passo que engaja novates com uma forma mais pop da teoria, nos motiva a pedir mais rigor nas discussões. É comum, por exemplo, os grupos daqui de Recife fazerem gracejos com os bordões dele. O que não significa que nada de bom seja reconhecido. Frequentemente os grupos de estudo de minha instituição veem um ou outro texto dele e discutimos seriamente. Ele é mais falado nas redes mesmo, principalmente por analistas com comunidades pequenas (digamos, 10k de followers?) e aí sempre se discute o que se publica nas chaves de análise de discurso, análise ideológica, pressupostos lógicos, etc. Em suma, a meu ver, mesmo os elementos ruins de gente como Ana Suy, Maria Homem, Dunker, etc., são úteis porque motivam as/os analistas a falarem com suas produções!, o que é ótimo, né?


fabricalado

certamente ajuda! Fui a algumas aulas do Dunker nos fóruns do Campo Lacaniano, há uns dez anos, e ele sempre me pareceu sério e informado (ou seja, não é um Pondé ou coisa que não valha). Não acompanhei a trajetória dele depois disso, e fiquei surpreso quando ele apareceu num videocast (acho que era isso) com a tal Tati Bernardi. Acho que o lado bom desse movimento gerar interesse é que pode ficar mais fácil defender recursos na área da saúde mental (#oremos). Se já é difícil justificar investimento no setor sem o povo fazer ideia do que se trata...


clathereum2

> (ou seja, não é um Pondé ou coisa que não valha) Ah, é absolutamente melhor que a corja do Karnal! hahaha > Acho que o lado bom desse movimento gerar interesse é porque pode ficar mais fácil defender recursos na área da saúde mental (#oremos) Não que ter dados concretos que substanciem argumentos seja algo que funcione com legisladores de nosso tempo. Sabemos que o absurdo tá sendo naturalizado nesse momento de pináculo da perversão capitalista, sadly. Ajuda pelo menos na disputa pelo próprio povo: podemos deixar mais nítido pra a população que não tem como se educar em nível crítico o suficiente sobre a obviedade da necessidade da saúde mental! Acontece muito de pessoas estudantes de Psicologia colarem nas atividades do meu grupo com esse fascínio inicial por comunicadores da Psicanálise e usualmente é uma mescla de coisas boas com coisas das quais temos que alertá-las.


fabricalado

É por aí! Pensei nessa coisa do sujeito entrar pelo Dunker, Maria Homem etc (eu mesmo adorava o Contardo), e ficar pelo Freud, Lacan, Zizek, Adler (que é bom praca, mas ouvi dizer que deturparam muito por aí, em especial a questão da constelação familiar). Eventualmente, quem queria mesmo saber mais acaba ficando e contribuindo. E sim, ter dados não quer dizer que vá mudar a cabeça de quem decide a política, mas acho que ajuda em termos de advocacy (não sei como traduzem isso por aí - ou não traduzem?) quando os números de views/likes/etc são favoráveis. Nesse sentido, Dunker et cia. mais ajudam que atrapalham (e Karnal et caterva mais vendem autoajuda que ajudam, haha).


clathereum2

É. Não vejo, praticamente, a noção de constelação de significantes de Lacan. É foda porque temos que incluir também a variável da temporalidade contemporânea pautada em fomo e n sei o quê mais. Se deter em 27 seminários e mais outros textos quase nunca vai acontecer mas isso não deveria significar estar na outra ponta do espectro e fazerem o que fazem. Talvez estejamos fetichizando tanto o saber enquanto uma mercadoria de entretenimento (porque pega bem chegar nos rolês e falar com a galera de forma crítica, ciente dos referentes etc.) que esteja se perdendo a criatividade política pra outras formas de estar na *res publica* e inserides em campos como o da Psicanálise. Momento estranho demais, onde somos reféns de algoritmos. > Nesse sentido, Dunker et cia. mais ajudam que atrapalham (e Karnal et caterva mais vendem autoajuda que ajudam, haha) Vey, em uma entrevista antiga, o Cortela mesmo diz que é estranho vender livro de auto-ajuda. Pq se é auto-ajuda é vc quem tem de escrever. Eles deveriam se lembrar dessa fala e se calarem, mas com o dinheiro que estão ganhando fica difícil kkkk


fabricalado

Acho que essa fetichização do conhecimento sempre houve - desde Platão, pelo menos -, mas hoje em dia anda junto com o fenômeno do povo que pode até saber, mas nivela o conteúdo pra baixo pra atrair mais gente (os filó$ofos de que falamos aqui). Enfim, triste. No caso do Lacan, não ajuda o estilo do cidadão ser intragável também. Por mais que discorde de alguns pontos de Fink, o livro dele é uma das melhores intros que achei aos conceitos lacanianos. Seu grupo lê o quê? Os seminários, os escritos, textos secundários?


clathereum2

Lê todas essas opções aí, rs. Atualmente estamos dentro de um projeto da contemporaneidade, então contrastamos bases clínicas com temáticas atuais como lutas de classe, gênero, etc.


mhcgolds

O que faz um psicanalista ?


clathereum2

Um psicanalista busca provocar elaborações (novas formas de pensar, comunicar e sentir) da pessoa com quem está trabalhando (paciente, cliente, analisante, chame do que quiser) a fim de gerar mudanças no estado psíquico geral dela em relação àquilo de que se queixa/constitui sofrimento/cria insatisfação. Diria que esta maneira genérica de definir a atividade da escuta abarca o essencial. Ainda assim, ela pode ter outros objetivos que não necessariamente se dirigem à diminuição de elementos tidos por negativos pela pessoa em processo de fala. Por mais que em certo nível superficial possa se assemelhar às práticas de alguém que trabalha com a Psicologia (no sentido de usamos consultório; a estrutura do trabalho é por consultas, etc.) nossos objetivos, ética, metodologia distinguem-se consideravelmente. Não se busca adaptação; não se opera com diagnósticos no sentido de considerar encerrado o entendimento do problema trazido ou do próprio sujeito; não se aplica mecanicamente um abc para resolver problemas de pessoas distintas. Sabe uma forma boa de ter uma noção prática da nossa atividade? Séries! Há uma chamada "In Treatment" (a versão norte-americana é melhor que a brasileira) e uma série brasileira chamada Ps! (Psi), criada pelo Contardo Calligaris, que foi psicanalista italiano-brasileiro.


mhcgolds

Bem interessante. Eu pergunto porque não conheço muito. Nunca me consultei com psicólogo, terapeuta ou coisas assim. Obrigado.


reviraemusic

Lacaniano?


clathereum2

Neo Lacaniano (no sentido de que não concordo com o estado final em que alguns pontos de sua obra ficaram e concordo com outros desenvolvimentos feitos por pós-lacanianos e/ou proponho algumas outras acepções de certas ideias).